O caráter político do aparato sobressai já no nome: ele chama-se RIOT — revolta, motim, ou manifestação, em inglês. Trata-se de um software com enorme capacidade de obter informações sobre pessoas; identificar seus atos e comportamentos; prever suas ações futuras. Desenvolvido pela Raytheon, a quinta maior empresa privada de serviços militares do mundo, colhe e cruza informações a partir das redes sociais — em especial Facebook, Twitter, Instagram e Fourquare. Segundo seus criadores, é capaz de analisar “trilhões de entidades” — indivíduos, grupos, comunidades, organizações — no ciberespaço. Foi apresentado em abril de 2012 ao governo norte-americano, numa conferência nacional sobre “inovações secretas e reservadas”. É um dos sinais de que a internet permanece como um espaço em permanente disputa. Ela multiplica a potência das ações libertadoras, antiautoritárias e pós-capitalistas; mas pode ser utilizada para estabelecer controle social opressivo e high-tech.
A existência do RIOT — acrôniomo de Rapid Information Overlay Technology, ou “tecnologia de informação rápida sobreposta” – foi tornada pública em 10 de fevereiro (domingo de Carnaval), graças ao jornalista free-lancer Ryan Gallagher, que mantém um blog sobre cibervigilância. Ele teve acesso a um vídeo (veja abaixo) de apresentação do sistema e publicou, no The Guardian londrino, matéria a respeito. As revelações são chocantes.
A tela de abertura do programa é semelhante à do Google. Ao digitar na janela de buscas o nome de uma pessoa — no exemplo do vídeo, Nick, um funcionário da Raytheon — chega-se rapidamente a um panorama de sua vida. Com alguns cliques, obtém-se listas de seus amigos, relações de sites e redes sociais que utiliza, notícias sobre suas ações nestes espaços. Com auxílio do Facebook e do Foursquare, passa-se a dados físicos: por exemplo, os dez lugares que cada indivíduo visita mais frequentemente, inclusive com latitude e longitude exatas.
E torna-se possível prever as ações futuras da pessoa vigiada. É o próprio locutor do vídeo quem afirma: “Agora, vamos tentar prever o Nick ele fará no futuro”. Como o funcionário da Raytheon, vai regularmente a uma academia às 6 da manhã, uma vez por semana (e registra tudo no Foursquare…), “se alguma vez você quiser tentar agarrá-lo, ou talvez agarrar seu laptop, basta encontrá-lo na academia às 6″.
O RIOT não é uma novidade absoluta. As agências de espionagem, conta Ryan Gallagher, têm agido rapidamente para monitorar de modo cada vez mais invasivo a internet. Em fevereiro de 2012, o FBI lançou um “pedido de informações”, dirigido à indústria de novas tecnologias, solicitando precisamente sistemas para monitorar cidadãos nas redes sociais. Em outubro último, o próprio Ryan Gallagher revelou o amplo esforço das agências de inteligência britânicas por estabelecer as mesmas formas de vigilância.
Mas, por ser muito mais que um simples projeto, o RIOT parece ter demonstrado materialmente que a ameaça é real e profundamente perturbadora. As reações já começaram. Nos EUA, Ginger McCall, advogado e ativista da organização Centro de Informação para Privacidade Eletrônica, advertiu que as redes sociais não são transparentes sobre que informações são compartilhadas e por quem. “Os usuários postam informações pensando que serão vistas apenas por seus amigos, mas elas podem estar sendo monitoradas por agentes do Estado”.
Já James Ball, um jornalista que trabalha para o Wikileaks e colabora com o Guardian, escreveu, neste mesmo jornal, artigo em que sugere: as sociedades precisam — e podem — lutar até estabelecer restrições legais a este tipo de espionagem. Ele sustenta: “a vigilância está se tornando mais barata e mais fácil a cada dia, o que torna irresistível fazer uso dela — para quem tem boas ou más intenções”. E conclui: “sem salvaguardas, a mudança de cultura será irreversível. Deixar de lutar por elas será submissão”
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via: brasildefato